sábado, 29 de setembro de 2012

Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI)


O Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil é um conjunto de sugestões e referências para creches, entidades equivalentes e pré-escolas. Faz parte dos documentos dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que foram elaborados pelo Ministério da Educação. Seu objetivo é auxiliar professores de Educação Infantil a realizar seu trabalho educacional com crianças pequenas, atendendo às determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), que estabelece, pela primeira vez na história do Brasil, que a educação infantil é a primeira etapa da educação básica.
A intenção do referencial é indicar caminhos que contribuam para que as crianças desenvolvam integralmente sua identidade e para que possam ser capazes de crescer como cidadãos, com direitos à infância reconhecidos. Além disso, serve para que se possa realizar, nas instituições de educação, um trabalho que contribua com a socialização dos alunos dessa faixa etária, além de tornar o ambiente escolar propício ao acesso e à ampliação dos conhecimentos da realidade social e cultural.
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil é organizado da seguinte forma:
• Um documento Introdução, que apresenta uma reflexão sobre creches e pré-escolas no Brasil, situando e fundamentando concepções de criança, de educação, de instituição e do profissional, que foram utilizadas para definir os objetivos gerais da educação infantil e orientaram a organização dos documentos de eixos de trabalho que estão agrupados em dois volumes relacionados aos seguintes âmbitos de experiência: Formação Pessoal e Social e Conhecimento de Mundo.
• Um volume relativo ao âmbito de experiência Formação Pessoal e Social que contém o eixo de trabalho que favorece, prioritariamente, os processos de construção da Identidade e Autonomia das crianças.
• Um volume relativo ao âmbito de experiência Conhecimento de Mundo que contém seis documentos referentes aos eixos de trabalho orientados para a construção das diferentes linguagens pelas crianças e para as relações que estabelecem com os objetos de conhecimento: Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade e Matemática.
A organização do Referencial possui caráter instrumental e didático, devendo os professores ter consciência, em sua prática educativa, que a construção de conhecimentos se processa de maneira integrada e global e que há inter-relações entre os diferentes eixos sugeridos a serem trabalhados com as crianças. Nessa perspectiva, o Referencial é um guia de orientação que deverá servir de base para discussões entre profissionais de um mesmo sistema de ensino ou no interior da instituição, na elaboração de projetos educativos singulares e diversos.
Segundo o RCNEI, são Objetivos Gerais da Educação Infantil:
- Desenvolver uma imagem positiva de si.
- Descobrir e conhecer, progressivamente, seu próprio corpo.
- Estabelecer vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças.
- Estabelecer e ampliar, cada vez mais, as relações sociais.
- Observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade.
- Brincar, expressando emoções, sentimentos, pensamentos, desejos e necessidades.
- Utilizar as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita), ajustadas às diferentes intenções e situações de comunicação.
- Conhecer algumas manifestações culturais, demonstrando atitudes de interesse, respeito e participação diante delas e valorizando a diversidade.

Acesse os Referenciais na íntegra:



sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Educação Infantil Brasileira: Algumas Considerações


Viviane Aparecida da Silva ¹


Foram intensas as tensões e transformações ocorridas no contexto legal e político brasileiro, pelas quais o atendimento público de educação voltado às crianças de 0 a 6 anos passou nos últimos vinte anos. A fim de situar como se deram essas transformações, faz-se uma breve apresentação dos fatos e dispositivos sociais e jurídicos que se articulam para garantir o direito social à educação infantil.
A visão assistencialista de amparo e filantropia ou o enfoque escolarizante, pautado no modelo do ensino fundamental, predominaram nas propostas de atendimento a crianças pequenas durante muitos anos no contexto brasileiro (KUHLMANN, 1998). Em épocas de regime militar no Brasil, no período que precedeu a redemocratização, ganharam força as propostas pedagógicas compensatórias, para que as crianças mais pobres conseguissem acompanhar os currículos. As crianças com condições socioeconômicas mais favoráveis, por sua vez, tinham acesso a melhores oportunidades educativas. O acesso à educação com qualidade, como direito de todos, ainda estaria por conquistar.
Para Haddad (1998, p.1):
Nas informações históricas é comum a menção a dois tipos predominantes de estabelecimentos destinados ao atendimento à criança pequena desenvolvendo-se lado a lado, com objetivos e clientelas bastante distintos. Um, com funções sobretudo tutelares, funcionando a maior parte do dia e orientado para atender as necessidades básicas (segurança, higiene, bem-estar, proteção alimentação e aquisição de hábitos) de crianças provenientes de famílias em condições precárias de sobrevivência. Outro de caráter intencionalmente educativo, dirigido prioritariamente às classes mais favorecidas, funcionando apenas algumas horas por dia e destinado a enriquecer e completar as experiências das crianças, através de atividades estruturadas.
Com o advento dos movimentos populares e do marco legal brasileiro, a educação de crianças começa a adquirir novo estatuto no campo das políticas e lutas educacionais.
Os movimentos sociais do final da década de 1970 tiveram importante papel social para a inclusão das crianças na educação infantil. Segundo Campos (1985, p.88 e 89), nessa época, moradores se reuniam em clubes de mães e outros tipos de associações de vizinhança, buscando juntar forças para lutar por seus direitos, porém “o Estado não atende totalmente às reivindicações populares, mas, na interação com os movimentos sociais, acaba por legitimá-las, respondendo, ainda que parcialmente, a muitas demandas locais”.
A luta por creches na cidade de São Paulo é um exemplo da participação comunitária e popular que antecedeu o momento de redemocratização do país, na década de 1980. Segundo Gohn (1985) e Campos (1991), as leis vieram depois das conquistas.
A partir dos anos de 1980, a participação foi referência obrigatória a todo plano, projeto ou política governamental como sinônimo de descentralização² , em oposição à centralização dos regimes militares. Mais tarde, a participação comunitária e popular dá lugar à participação cidadã e social. Na redemocratização do país, a participação passa a ser concebida como “intervenção social periódica e planejada, ao longo de todo o circuito de formulação e implementação de uma política pública, porque toda ênfase passa a ser dada nas políticas públicas” (GOHN, 2003, p.57).
A história de lutas por creches e pré-escolas, fortalecida pelos movimentos sociais, influenciou nas decisões dos governos, “principalmente aqueles que se instalaram pós-abertura política”, para investir na ampliação do direito à educação das crianças (BARBOSA, 2006, p. 15). Iniciava-se lentamente a mudança da concepção de creche como dádiva da filantropia para a garantia do direito de todas as crianças à educação de qualidade.
A criança deixou de ser objeto de tutela, para ser reconhecida como sujeito de direitos, a partir da Constituição Federal de 1988. Advinda das lutas sociais e da mobilização popular, a Constituição Federal de 1988 colocou crianças e adolescentes como prioridade absoluta quando enunciou, no art. 227:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
A Constituição Federal de 1988 representou um avanço por inaugurar um novo olhar para a implementação de políticas públicas para a criança, que passou a ter direito de ser atendida em creches e pré-escolas. A partir desse momento, iniciou-se o processo de vinculação do atendimento à área da educação, antes realizado pelas áreas da Assistência ou da Saúde.
Nos anos posteriores à Constituição de 1988 cresceram as preocupações sociais  com a infância, pois a partir dessa legislação, concretizou-se a educação como direito público subjetivo³ .
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, veio referendar o art. 227 da Constituição e colocou, no art. 54, inciso IV, como dever do Estado o atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade.
Na esteira da nova Constituição e do ECA, a educação infantil brasileira teve sua regulação como primeira etapa da educação básica, a partir do marco regulatório da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabeleceu como finalidade de educação infantil o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade,4 em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. O art. 30 da LDB/1996 estabeleceu que a educação infantil seja oferecida em: “I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II - pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade”.
Desse modo, no tocante à questão escolar do Brasil, com a LDB/1996 é declarada a obrigatoriedade do Estado à oferta da educação infantil. Porém, modificar a concepção de educação assistencialista significa “atentar para várias questões que vão muito além dos aspectos legais. Envolve, principalmente, assumir as especificidades da educação infantil e rever concepções sobre infância e aprendizagem” (RCNEI, 1998, p. 17).
Nesse sentido, nas últimas décadas, a educação infantil intensificou o processo de firmar sua identidade no campo educacional, no caminho de consolidar os direitos sociais da criança a um atendimento de qualidade. As políticas públicas foram influenciadas pela produção teórica sobre a infância, as crianças e as especificidades dos currículos para a educação infantil. O Ministério da Educação (MEC), para organizar e subsidiar os sistemas de ensino, nas últimas décadas organizou um conjunto de documentos orientadores da prática para a educação infantil. Um deles se destaca por ser utilizado por aproximadamente 58% dos professores,o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI). Consiste num conjunto de referências e recomendações não obrigatórias para as práticas pedagógicas, que objetivam garantir certa unidade qualitativa às propostas das instituições e fornecer subsídios teóricos aos professores de educação infantil. É importante relatar sobre esse documento, já que o foco desta pesquisa é investigar a implantação de um currículo para a educação infantil. A existência do RCNEI fez aproximações nos currículos desenvolvidos no território brasileiro, a partir de bases nacionais comuns. Iniciativas como essa trazem em seu bojo o discurso da qualidade na educação infantil.
Para Moreira (1993, p. 45), “pensar em uma escola de qualidade implica, em última análise, refletir sobre currículo e ensino, tendo-se em mente, entretanto, que a reflexão não pode ser desenvolvida sem uma significativa referência à sociedade”. 
De acordo com Parâmetros de Qualidade para a Educação Infantil (MEC/SEB, 2006), qualidade é “oferecer às crianças condições de usufruírem plenamente suas possibilidades de apropriação e produção de significados no mundo da natureza e da cultura” (p.18). Alguns aspectos são levantados para servir de subsídio para o conceito de qualidade na educação infantil, como a compreensão da dimensão do cuidado; a organização de espaços e do tempo; a concepção de criança integral, ou seja, com corpo, mente e sentimento, que aprende inserida num grupo e produz cultura com seus pares (BARBOSA, 2000; FARIA,1999; HORN, 2003; ROCHA, 2001, 2000, 1999; MORO, 2009; SARMENTO, 2004). São questões que buscam superar concepções consolidadas nas décadas de 1970 e 1980, quando o atendimento era marcado pelo objetivo de compensar carências culturais das crianças de baixa renda ou prepará-las para o ensino fundamental, e afirmar a identidade da educação infantil, conforme asseverou Rosemberg (2002, p.77):
A busca na educação infantil [...] de igualdade de oportunidade para as crianças [...] [a fim de que] a educação infantil não produza ou reforce a desigualdade [...]; a adoção de uma concepção ampla de educação aberta, indo além dos modelos que aqui conhecemos, de educação escolar; isto é, uma concepção de educação em acordo com a nova maneira de olhar a criança pequena que se está construindo no Brasil, como ser ativo, competente, agente, produtor de cultura, pleno de possibilidades atuais e não apenas futuras. 
Os primeiros anos são momentos de intensas e rápidas aprendizagens para as crianças. “Elas estão chegando ao mundo, aprendendo a compreender seu corpo e suas ações, a interagir com diferentes parceiros e gradualmente se integrando com e na complexidade de sua(s) cultura(s) ao corporalizá-la(s)” (MEC/SEB, 2009c). Portanto, a educação infantil, em sua especificidade de primeira etapa da educação básica, deve ser pensada como direito de todas as crianças. Considerado o acesso à educação um direito da criança, os sistemas de ensino assumem a responsabilidade por essa etapa da educação e comprometem-se em desenvolver propostas pedagógicas para o atendimento das crianças, considerando a importância de favorecer a constituição de espaços institucionais, não domésticos, de cuidado, de socialização e de educação infantil. 
O art. 7, inciso II das Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil (CNE/CEB 05/2009) afirma que:
A educação infantil, primeira etapa da educação básica, é oferecida em creches e pré-escolas, as quais se caracterizam como espaços institucionais não domésticos que constituem estabelecimentos educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em jornada integral ou parcial, regulados e supervisionados por órgão competente do sistema de ensino e submetidos a controle social.
O uso da terminologia educação infantil e não de ensino infantil anuncia a necessidade de estabelecer um currículo apropriado para a criança pequena, que não reproduza a escolarização do ensino fundamental nem tampouco seja uma etapa preparatória para os anos seguintes de escolaridade (BARBOSA, 2006). Nessa perspectiva, as instituições de educação infantil que consideram as especificidades e singularidades de cada criança, devem privilegiar o acolhimento e o aconchego de cada uma delas, garantindo seu bem-estar.
É importante destacar que a educação infantil deve ser um lugar divertido, de reflexão, de investigação, de aprendizagem e de aproximação com as famílias. Um lugar onde o educar e o cuidar são indissociáveis. Nesse lugar as crianças se apropriam de conhecimentos, vivenciam a imersão em sua sociedade, expressam-se e produzem cultura. Segundo o documento Práticas cotidianas na educação infantil: bases para a reflexão sobre as orientações curriculares (MEC/SEB, 2009), a educação infantil tem o objetivo de promover a convivência, “aprendendo a respeitar, a acolher e a celebrar a diversidade dos demais, a sair da percepção exclusiva do seu universo pessoal, assim como a ver o mundo a partir do olhar do outro e da compreensão de outros mundos sociais” (MEC/SEB, 2009c, p. 12). 
Sua primeira função é social, que consiste em educar e cuidar das crianças, em parceria com as famílias; sua segunda função é política, que consiste em promover direitos sociais e políticos das crianças, no exercício da cidadania; sua terceira função é pedagógica, que consiste em ser um lugar privilegiado de convivência e ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas entre crianças e adultos, segundo o mesmo documento (MEC/SEB, 2009c, p.9).
De acordo com a legislação brasileira, a educação infantil é direito da criança a partir do seu nascimento, dever do Estado e competência dos municípios. 
Pensar em currículos para a educação infantil implica pensar na aurora que se anuncia para a educação das crianças, começando tal educação a definir-se como espaço para a criança viver a sua infância, brincar, socializar-se, aprender e ser feliz. 

¹  Mestre e Doutoranda em educação:currículo pela PUCSP, pesquisadora, formadora de professores.
² Descentralização como princípio regulador das políticas públicas em que o vetor de mobilização deixa de ser o Estado e passa a ser a sociedade.
³ Direito não somente declarado, mas que, além disso, prevê algum tipo de sanção em caso do não cumprimento.
4 Houve alteração na faixa etária da educação infantil. De acordo com a Emenda Constitucional n. 53, de 19 de dezembro de 2006, a faixa etária da educação infantil passou a ser até 5 (cinco) anos de idade. As demais seriam matriculadas no ensino fundamental. A Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, altera a redação dos art. 29, 30, 32 e 87 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade.
5 Dados referentes a 2009, a partir de uma pesquisa do MEC feita por amostragem nas cinco regiões do Brasil, sobre os materiais utilizados para a organização de propostas pedagógicas (MEC/SEB, 2009d).
Como citar trechos desse artigo: Conforme SILVA (2010)  “xxxx xxxx xxxx xxx”
Na referência bibliográfica colocar:
SILVA, V. A. Análise da implantação de um Currículo para a educação infantil. Dissertação (Mestrado em Educação: Currículo). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP. São Paulo, 2010.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Concepção de Criança na Atualidade


Viviane Aparecida da Silva ¹


Crianças sempre existiram. Em algumas épocas eram menos vistas, ou tratadas como animais, como subalternos, frutos do pecado, ou desprezadas. A alta taxa de mortalidade contribuía para o pensamento de desapego sobre elas. Goulart (2008, p.23) descreve brevemente a evolução cronológica do conceito de criança desta forma: (1) infanticídio: combinação entre as práticas adotadas para lidar com a aura da morte e da contramorte, esta última baseada na prática de crendices para combater a alta mortalidade; (2) abandono: quando as crianças eram negociadas: vendidas e trocadas; (3) ambivalência: sentimento produzido quando a criança é autorizada a ingressar no mundo adulto entre os séculos XIV e XVII; (4) intrusão e socialização: são quase simultâneas: a intrusão do adulto no percurso de vida da criança, a partir do século XVIII, e a socialização e a condução da criança no sentido de alcançar regras, valores e atitudes, a partir do XIX; (5) ajuda: os pais como meros auxiliares e construtores no processo de desenvolvimento dos filhos, a partir do século XX. 
Essa síntese aponta para a análise das relações existentes entre os adultos e as crianças, ora com atitude de tutela, ora com desprezo ou abandono, ou, ainda, como projeção de alguém que o adulto não foi. É importante trazer aqui essas informações, pois as escolhas pedagógicas passam, necessariamente, pelas formas de ver e as maneiras de dizer quem é a criança. 
É certo que o presente momento histórico requer outro olhar para a criança. A complexidade do mundo atual, as evoluções científicas e tecnológicas, a expansão dos grandes centros urbanos, as organizações familiares e sociais têm colocado em crise algumas certezas que sustentavam as convicções humanas.
Há na atualidade uma gama de leis e declarações²  que, a partir da década de 1980, garantem os direitos fundamentais da criança e a colocam como prioridade. Na legislação brasileira, ela é considerada um cidadão, com direitos. No Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8069/90, o art. 3º prescreve:
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Além da legislação, crescem as pesquisas e os debates que defendem que ideia de infância não pode ser universal, fixa e precisa e que apontam para a diversidade de infâncias, constituídas a partir de contextos, épocas, culturas e histórias diferentes. Essas pesquisas se propõem a entender a infância na perspectiva da sociologia, e defendem a criança como agente social, construtora de si e dos seus contextos de vida, um ser social competente, com uma voz que exprime todo o seu pensamento racional e com competência para fazer escolhas (JAMES, ZENKS E PROUT, 1998; PINTO, 1997; PROUT E JAMES, 1990; SIROTA, 2001).
A sociologia da infância vê a infância como objeto sociológico, superando a visão biologista, que a reduz a “um estado intermédio de maturação e desenvolvimento humano; e psicologizante, que tende a interpretar as crianças como indivíduos que se desenvolvem independentemente da construção social das suas condições de existência e das representações e imagens historicamente construídas sobre e para eles” (SARMENTO, 2004, p. 363).
Considerar as vozes das crianças e as culturas infantis no currículo da educação infantil pressupõe acreditar na concepção de criança como produtora de cultura e por esta produzida. A expressão “culturas infantis” refere-se às representações que são estabelecidas socialmente no espaçotempo³  em que as crianças vivem e no que elas produzem com outras crianças. Essas produções constituem suas práticas significantes, em que as crianças “recompõem a cultura material e simbólica de uma sociedade. Elas fazem sua releitura do mundo, isso é, leem o mundo adicionando novos elementos geracionais, recriando-o e reinventando-o” (MEC/SEB, 2009c, p. 31-32), produzem criativamente o que alguns autores cunharam de “cultura de pares”, ou seja, um conjunto de atividades, artifícios, valores que a criança apreende do mundo adulto, cria e partilha na interação com o grupo de crianças (CORSARO e EDER, 1990; CORSARO, 1997; SARMENTO, 2004; DELGADO e MÜLLER, 2005).
Segundo Corsaro (1997, p. 5), “as crianças são agentes ativos que constroem suas próprias culturas e contribuem para a produção do mundo adulto”. Mais que imitação, suas produções são singulares e inovadoras. Considerá-las como sujeitos ativos e produtores de cultura, é destacar a imprescindibilidade de construir currículos que contemplem a produção simbólica das crianças e a “constituição das suas representações e crenças em sistemas organizados, isto é, em culturas" (PINTO E SARMENTO, 1997, p. 20).
Entender a infância como categoria geracional possibilita perceber o que separa e o que une as crianças dos adultos, assim como o processo em que as “variações dinâmicas que nas relações entre crianças e, entre crianças e adultos, vai sendo historicamente produzido e elaborado” (SARMENTO, 2004, p. 366), já que um dos componentes importantes da cultura infantil é a interação. A interação é uma necessidade e um desejo que a criança vivencia com outras crianças da mesma geração, definida esta por Karl Mannheim apud Sarmento (2004, p. 363) como 
[...] grupo de pessoas nascidas na mesma época, que viveu os mesmos acontecimentos sociais durante a sua formação e crescimento e que partilha a mesma experiência histórica, sendo esta significativa para todo o grupo, originando uma consciência comum, que permanece ao longo do respectivo curso de vida. 
A interação social torna-se o “espaço de constituição e desenvolvimento da consciência do ser humano desde que nasce” (VYGOTSKI, 1991). O encontro com os outros dá significado ao que a criança vai aprendendo do mundo. Sua aprendizagem vai depender das experiências de interações que estabelece. Vygotski chama a interação social de situação social de desenvolvimento, para afirmar que a relação estabelecida entre a criança e o meio que a rodeia é única e irrepetível em qualquer momento do seu desenvolvimento. Segundo Moro (2009, p. 109), “para ele, todas as mudanças que se processarão no desenvolvimento da criança durante uma determinada idade têm relação com esta situação social de desenvolvimento”. 
A interação, o afeto e a certeza da presença efetiva do outro é essencial para a criança. De acordo com o documento Práticas cotidianas na educação infantil: bases para a reflexão sobre as orientações curriculares (MEC/SEB, 2009c, p. 23):
As crianças pequenas e os bebêssão sujeitos que necessitam de atenção, proteção, alimentação, brincadeiras, higiene, escuta, afeto. O fato de serem simultaneamente frágeis e potentes em relação ao mundo, de serem biologicamente sociais, os torna reféns da interação, da presença efetiva do outro e, principalmente, do investimento afetivo dado pela confiança do outro. 
É certo que as crianças vivem, pensam, sentem e experimentam o mundo de um jeito muito próprio. Sendo assim, no decorrer da construção e elaboração do conhecimento, "as crianças se utilizam das mais diferentes linguagens e exercem a capacidade que possuem de terem idéias e hipóteses originais sobre aquilo que procuram desvendar” (Brasil, 1998b, v. 1, p. 21 e 22). Esse conhecimento constitui-se nas interações e nas experiências cotidianas e coletivas que possibilitam o contato com um mundo concreto e complexo, o que permite que a criança, “ao se relacionar com esse mundo, complexifique também sua apreensão daquilo que conhece, e internalize situações cada vez mais sofisticadas do ponto de vista de suas potencialidades psíquicas” (SOUZA, 2007, p.125). 
Na construção e elaboração do conhecimento, a criança exercita a capacidade de construir hipóteses sobre o que deseja aprender, com uma linguagem que lhe é peculiar: o brincar. Para Meirelles (2009, p. 102), brincar  se aprende brincando, e é brincando que se dá sentido às descobertas e que se busca a autorrealização. Segundo a autora, a criança aprende brincando espontaneamente e movimentando-se. O brincar e o movimento são necessidades vitais para a criança, tanto quanto o sono e a alimentação. Essa característica pede novos arranjos espaciais e temporais para a educação infantil, que possibilitem à criança brincar com seu grupo com autonomia para escolher materiais alternativos e brinquedos, com tempo livre para a criação e a imaginação, e amplidão de possibilidades espaciais para movimentar-se, que encorajem suas descobertas. 
Cresce a ideia que a criança tem, desde seu nascimento, múltiplas linguagens5 para se expressar, sendo a cultura lúdica a maior expressão da infância. Segundo Corsaro, ao brincar, as crianças imitam os comportamentos observados dos adultos, mas distorcem-nos para poder preencher os seus sonhos e encontrar soluções para as suas frustrações, medos, os desejos de controlar o (seu) mundo num processo de reprodução interpretativa (CORSARO, 1986, 2002). A ludicidade se articula tanto à aprendizagem quanto à interação, além de favorecer a produção imaginativa e a ampliação de repertórios. A criança pequena apreende brincando, sozinha ou com outras crianças, com a diversidade de linguagens que estão no mundo.
Para Vigotsky, a atividade mediada por signos é primordial no desenvolvimento de seres humanos, na qual a linguagem tem um papel principal. Ainda segundo esse autor, “decorrentes dessa mediação, as funções ou processos psíquicos inicialmente sociais, interpessoais, passam a ser internalizados, transformando-se em funções ou processos individuais,  intrapessoais” (VIGOTSKY apud MORO, 2009, p. 109). Para o bebê e a criança bem pequena, a linguagem verbal viabiliza o contato e a descoberta do outro. Bodrova afirma que “a brincadeira de faz-de-conta contribui para o desenvolvimento de um aspecto importante da linguagem oral, a metalinguagem, ou seja, a consciência acerca das relações e estruturas da língua da qual ela é falante” (BODROVA apud MORO, 2009, p. 109).  
Para Vigotsky, “quanto mais ver, ouvir e experimentar, quanto mais aprender e se apropriar, quanto mais elementos reais dispuser em sua experiência, tão mais considerável e produtiva será, na igualdade das demais circunstâncias, sua atividade imaginativa” (VIGOSKY, 1990, p.18, tradução livre). As crianças pequenas aprendem nas atividades simbólicas e ações significativas. Vê-se assim que cuidar do desenvolvimento humano na infância requer estar atento às possibilidades de atividades relacionadas ao brincar e de interações oferecidas à criança, para que ela dê sentido ao mundo e interprete-o, se aproprie daquilo que sua cultura lhe propicia e faça novas contribuições para a cultura existente.
A partir da reflexão desses autores, o convite que se faz é para perceber e entender melhor as crianças; ouvir suas vozes, mesmo que ainda não dominem totalmente as regras da língua; respeitá-las, pois são sujeitos de direito; garantir seu cuidado e proteção, pois estão em condição peculiar de desenvolvimento e percebê-las pertencentes a uma geração que produz cultura e por ela é produzida. 

 Mestre e Doutoranda em educação:currículo pela PUCSP, pesquisadora, formadora de professores. 

 Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988; Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, Resolução 44/25 de 1989, da Assembléia Geral das Nações Unidas; Declaração Mundial sobre Educação para Todos – 5 a 9 de março de 1990, Jomtien, Tailândia; Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069/90; Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 9394/96 (GOULART, 2008).

Dimensão material do currículo que se entrelaça e deve ser assumido em sua multiplicidade e complexidade onde os anseios, sentimentos e pensamentos dos educandos devem ser ouvidos e considerados como forma de produção cultural (ALVES apud FELÍCIO, 2008, p. 23).

Seguem-se nesta pesquisa as orientações do MEC que compreendem bebês como crianças de 0 a 18 meses; crianças bem pequenas de 19 meses a 3 anos e 11 meses; crianças pequenas entre 4 anos e 6 anos e 11 meses (MEC/SEB 2009c).

Na experiência com parceiros, o bebê é ajudado a significar as situações vividas e a construir sistemas semióticos pelos quais vai se apropriando das múltiplas linguagens do seu meio: de início, as gestuais e expressivas e depois as linguagens simbólicas em sua presença como ação, como saber e não como conhecimento sistematizado (MEC/SEB, 2009c, p. 83).

Como citar trechos desse artigo: Conforme SILVA (2010)  “xxxx xxxx xxxx xxx”
Na referência bibliográfica colocar:
SILVA, V. A. Análise da Implantação de um Currículo para a Educação infantil. Dissertação (Mestrado em Educação: Currículo). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP. São Paulo, 2010.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A Professora e a Maleta


A Professora era gorducha; a maleta também. A Professora era jovem; a maleta era velha, meio estragada, e de um lado tinha o desenho de um garoto e uma garota de mão dada, vestindo igual. Cabelo igual, risada igual.
A Professora gostava de ver a classe contente, mal entrava na aula e já ia contando uma coisa engraçada. Depois abria a maleta e escolhia o pacote do dia. Tinha pacote pequenininho, médio, grande, tinha pacote embrulhado em papel de seda, metido em saquinho de plástico, tinha pacote de tudo quanto é cor; não era à toa que a maleta ficava gorda daquele jeito.
Só pela cor do pacote as crianças já sabiam o que é que ia acontecer: pacote azul era dia de inventar brincadeira de juntar menino e menina; não ficava mais valendo aquela história mofada de menino só brinca disso, menina só brinca daquilo, meninos do lado de cá, meninas do lado de lá.
Pacote cor-de-rosa era dia de aprender a cozinhar. A Professora remexia no pacote, entrava e saía da classe e, de repente, pronto! montava um fogão com bujãozinho de gás e tudo. Era um tal de experimentar receita que só vendo. (Um dia a diretora da escola entrou na classe justo na hora em que Alexandre estava ensinando um outro garoto a fazer uns bolinhos de trigo. Uma fumaceira medonha na sala. Tudo quanto é criança em volta do fogão palpitando: falta mais sal! bota pimenta! bota um pouquinho de salsa! A diretora sabia que estava na hora da aula de matemática. Que matemática era aquela que a Professora estava inventando? Não gostou da invenção. Mas saiu sem dizer nada.)
Pacote vermelho era dia de viajar: saía retrato do mundo inteiro lá do fundo do pacote; espalhavam aquilo tudo pela classe; enfileiravam as carteiras pra fingir de avião e de trem; quando chegavam nos retratos um ia contando pro outro tudo que sabia do lugar.
Tinha um pacote cor-de-burro-quando-foge que a Professora nunca chegou a abrir. Todo dia ela botava o pacote em cima da mesa. Mas na hora de abrir ficava pensando se abria ou não, e acabava guardando o pacote de novo.
Pacote verde era dia de aprender a pregar botão, botar fecho, fazer bainha na calça e na saia. Se o verde era bem forte, era dia de aprender a cortar unha e cabelo.
Verde bem clarinho era dia de consertar sapato. E tinha um verde, que não era forte nem claro, era um verde amarelado, que as crianças adoravam: era dia da Professora abrir pacote de história. Cada história ótima.
E tinha um pacote branco que só servia pra Professora esconder e pra turma brincar de achar. Quem achava ia pro quadro-negro dar aula. No princípio ninguém procurava direito: coisa mais chata dar aula! E aula de quê?
— Conta a tua vida, ué, mostra o que você sabe fazer. Com o tempo, a turma deu pra procurar direito o pacote: achavam engraçada a tal aula.
No dia que Alexandre achou o pacote, resolveu contar pra turma como é que ele vendia amendoim na praia. No melhor da aula, um grupo de pais de alunos, que estava visitando a escola, entrou na sala. Quando a aula acabou, um deles perguntou pra Professora:
— A senhora está querendo ensinar meu filho a ganhar a vida vendendo
amendoim?
A Professora explicou que Alexandre só estava contando pros colegas como era o trabalho dele, pra todos ficarem sabendo como é que ele Vivia.
No outro dia saiu fofoca: contaram pra Alexandre que tinha um pessoal que não estava gostando da maleta da Professora.
— Que pessoal?
Um disse que era a diretora, outro disse que era uma outra professora, outro disse que era o pai de um aluno, outro falou que era o faxineiro, e foi um tal de um disse que o outro falou, que ninguém ficou sabendo direito.
Aí, uns dias depois, choveu muito. Chuva grossa. Encheu rua, o tráfego da cidade parou, casa desmoronou, coisa à beça aconteceu. Quase ninguém foi à escola. Mas Alexandre foi. Entrou na classe e viu tudo vazio; chovia demais pra voltar pra casa; resolveu sentar e esperar. Lá pelas tantas a Professora chegou. Mas chegou sem a maleta. E com um jeito diferente, uma cara meio inchada, não contou coisa gozada, não riu nem nada. Sentou e ficou olhando pro chão.
Alexandre achou que ela nem tinha visto ele:
— Oi!
Ela também disse "oi": e continuou quieta. Depois de um tempo, Alexandre cansou de tanto ninguém dizer nada e falou:
— A chuva molhou sua cara.
A Professora nem se mexeu. Ele perguntou:
— Foi chuva?
Ela fez que sim com a cabeça. Alexandre resolveu esperar mais um pouco. Mas pelo jeito, a Professora tinha esquecido de dar aula. Será que era porque ela não tinha trazido a maleta? Arriscou:
— Cadê a maleta?
A Professora olhou pra ele sem saber muito bem o que é que dizia. Ele insistiu:
— Hem? Cadê?
— Perdi.
Ele se apavorou:
— Com tudo que tinha lá dentro?!
— É.
— Os pacotes todos?
— É.
— O azul, o verde, o...
— É, é, é!!
Puxa, que susto! Ela nunca tinha falado alto assim. Não perguntou mais nada, o coração ficou batendo, batendo, mas ela continuava sempre quieta, tão quieta que ele acabou não agüentando e perguntou de novo:
— Mas e agora? Como é que você vai dar aula sem a maleta?
— Não sei.
— Mas... escuta... você já procurou bem? — Ela fez que sim com  a cabeça. — Botou anúncio no jornal? Diz que quando bota anúncio quem acha dá pra gente. — Ela ficou quieta. Botou?
— Botei.
— Ninguém achou?
— Não.
— Então como é que vai ser?
— Não sei.
— Dá jeito de você comprar os pacotes de novo?
— Não.
— Por quê? — Ela não disse nada. — Responde. Por quê?
— Eles vêm junto com a maleta; não vendem separado.
— Mas então compra outra maleta, pronto! — Ela ficou quieta de novo. E como o tempo ia passando e ela continuava sempre quieta, e a cara não secava nunca e não chovia lá dentro e a cara cada vez mais molhada, ele acabou pedindo:
— Compra, sim?
— Não dá, Alexandre. Eles não estão mais fabricando essas maletas hoje em dia.
E aí ele não perguntou mais nada. Ela também não falou mais. Até que a campainha tocou e a aula acabou...

Lygia Bojunga 


Texto utilizado na aula de Introdução aos Estudos de Educação Infantil para refletir sobre como um professor pode garantir que suas concepções prevaleçam na escola...

O professor pode garantir que suas concepções prevaleçam na escola quando consegue demonstrar para a comunidade escolar que o seu método/abordagem de trabalho tem objetivos específicos, quais são os seus embasamentos teóricos e resultados concretos.
O profissional da educação deve saber os motivos que o leva a aplicar determinada atividade com a turma e para que a comunidade escolar aprove sua abordagem é necessário que todos os interessados possam ver, manifesto em seus alunos, resultados positivos. O professor poderá garantir que suas concepções prevaleçam quando conseguir argumentar sobre os motivos que move suas ações, por isso o professor deve estar sempre se atualizando e construindo novos saberes necessários a prática docente.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Currículo para a Educação Infantil


“As linguagens da criança”

Um currículo de Educação Infantil deve ser elaborado, levando em conta todas as linguagens da criança.Cabe ao professor conhecer as regularidades do desenvolvimento da criança, para poder organizar, intencionalmente, as experiências formativas. O Brincar e a Arte são formas fundamentais de interação humana, de aprendizagem, de envolvimento afetivo.

Currículo para a Educação Infantil¹

Tem predominado nos currículos para a educação infantil estas tendências: áreas de desenvolvimento, áreas do conhecimento, calendário de eventos, rotinas padronizadas, contextos educativos e linguagens:
Áreas de desenvolvimento: modelo curricular definido a partir dos campos de observação da psicologia do desenvolvimento oferece, de modo progressivo, atividades ligadas às áreas de desenvolvimento (motora, afetiva, social e cognitiva) para possibilidade de desenvolver habilidades e competências. 
Áreas do conhecimento: modelo das disciplinas escolares do ensino fundamental e médio. e que prioriza, portanto, a informações de listas de conteúdos - lineares e gradativos - e respectivas atividades.
Calendário de eventos: organização curricular determinada pelo calendário religioso, civil e comercial. São as datas comemorativas que preenchem as propostas de atividades.
Rotinas padronizadas: objetiva controlar a disciplina e ensinar as crianças a obedecer. “É muito mais um currículo para a submissão, para o disciplinamento dos corpos, das mentes e das emoções. 
Linguagens: na educação infantil “as linguagens mais enfatizadas são, principalmente, as das artes visuais, do corpo e do movimento, da música, da literatura, da linguagem oral, do letramento, da natureza e da sociedade”. As linguagens são o que mais se aproxima da multidimensionalidade das crianças, pois “ocorrem no encontro de um corpo que simultaneamente age, observa, interpreta e pensa num mundo imerso em linguagens, com pessoas que vivem em linguagens, em um mundo social organizado e significado por elas”. A oralidade tem papel central nas experiências iniciais da criança e “a brincadeira, como experiência de cultura e como forma privilegiada de expressão da criança”.
As Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil (CNE/CEB 05/2009) definem que:
Art. 8º A proposta pedagógica das instituições de educação infantil deve ter como objetivo garantir à criança acesso a processos de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças.
§ 1º Na efetivação desse objetivo, as propostas pedagógicas das instituições de educação infantil deverão prever condições para o trabalho coletivo e para a organização de materiais, espaços e tempos que assegurem:
I - a educação em sua integralidade, entendendo o cuidado como algo indissociável ao processo educativo;
II - a indivisibilidade das dimensões expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética e sociocultural da criança; [...]
A LDB/1996 define que a educação infantil não tem função preparatória para o ensino fundamental, o que enuncia a criação de currículos que rompam com a lógica da fragmentação dos conhecimentos em campos disciplinares e considerem as características da educação para crianças: a indissociabilidade do cuidar e educar, a ludicidade como expressão da própria infância, a convivência com outras crianças, a organização de espaços que respeitem o que é peculiar da faixa etária e a responsabilidade partilhada entre a família, a escola e a sociedade, na educação da criança.
Princípios da educação infantil: - diversidade e singularidade; democracia, sustentabilidade e participação; educar no cuidar; ludicidade, brincadeira e estética.
PEDAGOGIA DA INFÂNCIA: Para a pedagogia da infância, a criança é construtora das práticas e vivencia o repertório cultural, experimenta e expressa sentimentos, é percebida como um sujeito que tem corpo, mente e sentimentos, faz parte de uma família e de uma sociedade, que tem direito de viver plenamente sua infância num espaço de educação infantil onde seus saberes e sua cultura são respeitados.


As Cem Linguagens da Criança

A criança é feita de cem.
A criança tem cem mãos, cem pensamentos, cem modos de pensar, de jogar e de falar.
Cem, sempre cem modos de escutar as maravilhas de amar.
Cem alegrias para cantar e compreender.
Cem mundos para descobrir. Cem mundos para inventar.
Cem mundos para sonhar.
A criança tem cem linguagens (e depois, cem, cem, cem), mas roubaram-lhe noventa e nove.
A escola e a cultura separam-lhe a cabeça do corpo.
Dizem-lhe: de pensar sem as mãos, de fazer sem a cabeça, de escutar e de não falar,
De compreender sem alegrias, de amar e maravilhar-se só na Páscoa e no Natal.
Dizem-lhe: de descobrir o mundo que já existe e de cem, roubaram-lhe noventa e nove.
Dizem-lhe: que o jogo e o trabalho, a realidade e a fantasia, a ciência e a imaginação,
O céu e a terra, a razão e o sonho, são coisas que não estão juntas.
Dizem-lhe: que as cem não existem. A criança diz: ao contrário, as cem existem.


Loris Malaguzzi





¹  SILVA, Viviane Aparecida. Análise da implantação de um currículo para a educação infantil no Centro Social Marista Itaquera: Desafios e perspectivas. Dissertação (Mestrado em Educação: currículo) Pontifícia Universidade Católica – PUCSP.. São Paulo, PUCSP, 2010.