quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Aquisição da Linguagem - Trabalho de Linguagem e Desenvolvimento

Introdução

No presente trabalho podemos acompanhar como se dá a aquisição da linguagem pela visão de diversas teorias como o behaviorismo que se baseia nas reações apresentadas pelo sujeito quando confrontado com estímulos ambientais, o inatismo que se baseia na corrente filosófica do Racionalismo e que defende que os seres humanos nascem biologicamente programados para falar, o cognitivismo construtivista que difunde a idéia de que a aquisição e o desenvolvimento da linguagem são derivados do desenvolvimento do raciocínio na criança e resultado da interação entre o ambiente e o organismo, o interacionismo social que leva em conta fatores sociais, comunicativos e culturais para aquisição da linguagem e o sociointeracionismo que afirma que a linguagem é atividade constitutiva do conhecimento do mundo pela criança, o espaço em que a criança se constrói como sujeito.

Aquisição da Linguagem - Resumo

A linguagem da criança sempre provocou especulações diversas entre leigos ou estudiosos do assunto, relatos que dizem respeito às primeiras palavras emitidas pelas crianças, ou a que condições a criança deveria ser exposta para aprender a falar têm sido registrados ao longo dos séculos e chegaram até nós.
Estudos sistemáticos sobre o que a criança aprende e como adquire a linguagem, porém, foram feitos, como tais, apenas mais recentemente. Desde o século XIX, alguns lingüistas, os chamados “diaristas”, elaboraram diários da fala espontânea de seus filhos, esses trabalhos são descritivos e mais ou menos intuitivos, que, ao contrário das pesquisas aquisicionais das últimas décadas, não se voltam á procura, nos dados da criança, de evidência em prol de alguma teoria lingüística ou psicológica, embora se insiram nas teorias da época, como o de Lewis (1936), com tendências behaviorista, sobre a descrição de uma criança aprendendo o inglês.
Esses trabalhos são do tipo longitudinal, uma das metodologias de pesquisa com dados de desenvolvimento hoje já bem estabelecidos, iniciada exatamente pelos diaristas. Trata-se do estudo que acompanha o desenvolvimento da linguagem de uma criança ao longo do tempo. As anotações em forma de diário, do que a criança diz, em situação naturalística (isto é, em ambiente natural, em atividades cotidianas), foram posteriormente substituídas por registros em fitas magnéticas, em áudio ou vídeo. A suposição é que, registrando-se uma quantidade razoável da fala da criança de cada vez, pode-se ter uma amostra bastante representativa para se estudar como o conhecimento da língua pela criança é adquirido e/ou como muda no tempo. Outra metodologia de pesquisa em aquisição da linguagem, a de tipo transversal, baseia-se no registro de um número relativamente grande de sujeitos, muitas vezes classificados por faixas etárias. A pesquisa de tipo transversal geralmente também é do tipo experimental (por oposição a naturalístico), em que os fatores e as variáveis intervenientes no fato analisado são isolados e controlados e depois testados.
Dados naturalísticos destinam-se, sobretudo à análise da produção; os experimentais prestam-se mais à observação e análise da percepção, compreensão e processamento da linguagem pela criança. A metodologia adotada e a própria seleção dos dados dependem da postura teórica que norteia a pesquisa.
A aquisição da linguagem é, pelas suas indagações, uma área híbrida, heterogênea ou multidisciplinar. As questões suscitadas pela Aquisição da Linguagem, bem como os problemas metodológicos e teóricos colocados pelos próprios dados aquisicionais, têm, não raro, levado tanto a Psicologia como a própria Linguística a se repensarem e a se renovarem. A área recobre muitas subáreas, cada uma formando um campo próprio de estudos. Algumas delas são:
- Aquisição da língua materna;
- Aquisição da segunda língua;
- Aquisição da escrita
Os estudos sobre processos e mecanismos de aquisição da linguagem tomaram um grande impulso a partir dos trabalhos do lingüista Noam Chomsky, no fim da década de 1950, em reação ao behaviorismo. Para os behavioristas a aprendizagem seria fator de exposição ao meio e decorrente de mecanismos comportamentais como reforço, estímulo e resposta. Aprender a língua materna não seria diferente, em essência, da aquisição de outras habilidades e comportamentos, como andar de bicicleta, dançar etc., já que se trata, ao longo do tempo, do acúmulo de comportamentos verbais. Skinner (1957) psicólogo cujo trabalho foi o mais influente no behaviorismo, parte de pressupostos tanto metodológicos (como ênfase na observabilidade de manifestações comportamentais, externas, mensuráveis, da aprendizagem) quanto teórico-epistemológicos (como a premissa da inacessibilidade à mente para estudar o conhecimento, postura contrária à mentalista e idealista nas ciências humanas) e propõe, então, enquadrar a linguagem (ou “comportamento verbal”) na sucessão e contingência de mecanismos de estímulo-resposta-reforço, que explicam o condicionamento e que estão na base da estrutura do comportamento.
Chomsky adota uma postura inatista na consideração do processo por meio do qual o ser humano adquire a linguagem. A linguagem, específica da espécie, dotação genética, seria adquirida como resultado do desencadear de um dispositivo inato, inscrito na mente. Chomsky rejeita a projeção das evidências skinnerianas, argumentando que as estruturas de condicionamento e de aprendizagem não explicam a complexidade e a sofisticação do conhecimento lingüístico que tem bases biológicas e, portanto universais.
Dos 18 aos 24 meses a criança que é exposta normalmente a uma fala precária é capaz de dominar um conjunto complexo de regras ou princípios básicos que constituem a gramática internalizada do falante (chama-se “pobreza do estímulo”). Um dispositivo inato de aquisição da linguagem, que elabora hipóteses linguísticas sobre dados linguísticos primários (isto é, a língua a que a criança é exposta), gera a gramática da língua nativa da criança, com um certo grau de instantaneidade.
Com a introdução da Teoria de Princípios e Parâmetros o argumento da “pobreza do estímulo” foi retomado vinculando-se à metáfora do problema de Platão: como é que o ser humano pode saber tanto diante de evidência tão passageiras e fragmentárias?
O conhecimento da língua é muito maior que sua manifestação, a linguagem está vinculada a mecanismos inatos da espécie humana e comuns aos membros dessa espécie, admitindo que o ser humano vem equipado com uma Gramática Universal (GU), dotada de princípios universais pertencentes à faculdade da linguagem, e de parâmetros “fixados pela experiência”, isto é parâmetros não marcados que adquirem seu valor por meio do contato com a língua materna. Oposto ao “problema de Platão” está o “problema de Orwell/Freud: como pode o ser humano saber tão pouco diante de evidências tão ricas e numerosas?
No processo de aquisição da linguagem, a criança é exposta a um input (conjunto de sentenças ouvidas no contexto), sendo o output um sistema de regras para a linguagem do adulto, a gramática de uma determinada língua. Numa primeira versão da teoria, postulava-se a existência de uma série de regras gramaticais, mais um procedimento de avaliação e descoberta, presentes no dispositivo de Aquisição da Linguagem; ao confrontá-las com input, a criança escolhe as regras que supostamente fariam parte de sua língua (Chomsky, 1957, 1965). Num segundo momento, postula-se que a criança nasce pré-programada com princípios (universais) e um conjunto de parâmetros que deverão ser fixados ou marcados de acordo com os dados da língua à qual a criança está exposta. A criança não escolhe as regras, mas valores paramétricos.
A que tipo de dados ou a que quantidade de dados lingüísticos a criança deve ser exposta? A criança precisa ser exposta a uma quantidade relativamente pequena de linguagem para descobrir que caminho sua língua materna tomou, automaticamente por meio de pré-programação ela já sabe como funcionam as línguas daquele tipo. Como, logicamente, as crianças adquirem uma língua se não têm informação suficiente para tarefa? (“problema lógico de aquisição da linguagem”) Elas adquirem porque trazem uma enorme quantidade de informações, a Gramática Universal (GU) que é uma caracterização destes princípios inatos, biologicamente determinados, que constituem o componente da mente humana.
De acordo com Chomsky (1993) as diferenças entre as línguas do mundo do ponto de vista sintático, gramatical não são grandes, explicando o universalismo.
O mecanismo de aquisição da linguagem é específico dela, não exibindo interface óbvia com outros componentes cognitivos ou comportamentais, o desencadeamento da Gramática Universal junto com a fixação de parâmetros não depende, necessariamente, de outros módulos cognitivos, muito menos de interação social.
A partir da década de 1960 as colocações de Chomsky suscitaram estudos onde a prioridade era a aquisição da gramática da criança por volta do segundo ano de vida. Esses trabalhos foram contra-evidenciados por duas vertentes teóricas: o cognitivismo construtivista e o interacionismo social.
A abordagem chamada de cognitivismo construtivista ou epigenético foi desenvolvida com base nos estudos do epistemólogo Jean Piaget, segundo o qual o aparecimento da linguagem se dá na superação do estágio sensório-motor. Neste estágio do desenvolvimento cognitivo dá-se o desenvolvimento da função simbólica, por meio da qual um significante (ou um sinal) pode representar um objeto significado, além do desenvolvimento da representação pela qual a experiência pode ser armazenada e recuperada. Essas duas funções estão estreitamente ligadas a outros três processos que ocorrem simultaneamente e que colaboram para a superação do que Piaget chama de “egocentrismo radical”. Estes processos são:
a) o da descentralização das ações em relação ao corpo próprio, isto é, entre sujeito e objeto (ou entre “eu” e “o outro” ou “eu” e “o mundo”); o sujeito começa a se conhecer como fonte ou senhor de seus movimentos;
b) o da coordenação gradual das ações: “em lugar de continuar cada uma a formar um pequeno todo em si mesmo”, elas passam a se coordenar para constituir uma conexão entre meios e fins;
c) o da permanência do objeto, segundo o qual o objeto permanece o mesmo e igual a si próprio mesmo quando não está presente no espaço perceptual da criança.
A criança passa, por exemplo, a ser capaz de usar uma caixa de fósforos para “fazer de conta” (representar) que é um caminhãozinho. Para a criança um objeto, se deslocado do seu campo perceptual, continua existindo. Com mais capacidade de se deslocar de A para B, o sujeito adquire o poder de representar a si mesmo esse movimento AB e de evocar pelo pensamento outros deslocamentos.
Quando essas conquistas cognitivas se unem, na superação da inteligência sensória e motora, surge a possibilidade de a criança adotar os símbolos públicos da comunidade mais ampla em lugar de seus significantes pessoais.
A aquisição é vista como resultado da interação entre o ambiente e o organismo, através de assimilações e acomodações, responsáveis pelo desenvolvimento da inteligência em geral. As pesquisas de inspiração piagetiana floresceram nas décadas de 1970 e 80. Neste período as críticas ao modelo piagetiano criaram força, baseiam-se na interpretação de que Piaget avaliou mal e subestimou o papel do social e das outras pessoas no desenvolvimento da criança e que um modelo interativo social se fazia necessário nos primeiros dois anos.
As propostas de Vigotsky surgem para dar conta do alcance social da linguagem, sua grande influência nos estudos de aquisição da linguagem começa nos anos 1970 como alternativa ao cognitivismo construtivista piagetiano. Vigotsky explica o desenvolvimento da linguagem (e do pensamento) como tendo origens sociais, externas, nas trocas comunicativas entre a criança e o adulto. Tais estruturas construídas socialmente, “externamente”, sofreriam, com o tempo (mais ou menos por volta de 2 anos de idade), um movimento de interiorização e de representação mental do que antes era social e externalizado.
Vigotsky (1984) parte do princípio de que os estudiosos separam o estudo da origem e desenvolvimento da fala do estudo da origem do pensamento prático na criança. Vigotsky propõe, ao contrário que fala e pensamento prático devem ser estudados sob um mesmo prisma e atribui à atividade simbólica, viabilizada pela fala, uma função organizadora do pensamento: com a ajuda da fala, a criança começa a controlar o ambiente e o próprio comportamento. O autor entende o processo de internalização como uma reconstrução interna de uma operação externa, para isso deve concorrer a atividade mediada pelo outro, já que o sucesso da internalização vai depender da reação de outras pessoas. As transformações que ocorrem no processo de internalização são as seguintes:
- Uma operação que, inicialmente, representa uma atividade externa é reconstruída e começa a ocorrer internamente, daí a importância da atividade simbólica através do uso dos signos;
- Um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal: as funções no desenvolvimento da criança aparecem primeiro no nível social e, depois, no individual. E outras palavras, primeiro entre pessoas (de maneira interpsicológica) e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). Assim, segundo Vigotsky, todas as funções superiores (memória lógica, formação de conceitos, entre outras) originam-se das relações reais entre as pessoas;
- A transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal é resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento, isto é, a história das relações reais entre pessoas são constitutivas dos processos de internalização.
Os trabalhos de inspiração vygotskyana entendem a aquisição da linguagem como um processo pelo qual a criança se firma como sujeito da linguagem (e não como aprendiz passivo) e pelo qual constrói ao mesmo tempo seu conhecimento de mundo, passando pelo outro. Esses trabalhos têm sido considerados parte do chamado “interacionismo social”.
Segundo o interacionismo social os fatores sociais, comunicativos e culturais devem ser levados em conta para aquisição da linguagem. Comunicação pré-verbal prepara e precede a construção da linguagem pela criança, por isso a interação social e a troca comunicativa entre a criança e seus interlocutores são vistas como pré-requisito básico no desenvolvimento lingüístico.
A fala que a criança está exposta (input) é vista como importante fator de aprendizagem da linguagem. Pesquisas têm apontado que a criança é afetada pela fala dirigida a ela e que a fala adulta sofre modificações quando dirigida à criança. Vejamos algumas dessas modificações:
- Entonação “exagerada”, reduplicações de sílabas (“au-au”, “dodói”), velocidade de fala reduzida, qualidades de voz diferenciadas.
- Frases mais curtas e menos complexas; expansões sintáticas a partir de uma palavra dita pela criança ou “tradução” de gesto feito por ela;
- Referência espacial e temporal voltada para o momento da enunciação;
- Palavras de conteúdo lexical mais corriqueiro, mais familiares e freqüentes na rotina cotidiana da criança;
- Paráfrases, repetições ou retomadas das emissões da criança.
Desde o nascimento, o bebê é mergulhado num universo significativo por seus interlocutores básicos que atribuem significado e intenção às suas emissões vocais, gestos, direção do olhar. Os adultos respondem às ações de bebês como se fossem intencionalmente direcionadas a eles e esta pratica de tratar o bebê como autor corresponde a tratar o bebê como destinatário, pois os dois papéis instituem o bebê como parceiro conversacional.
Essas características foram encontradas em várias comunidades culturais e lingüísticas concluindo-se que são universais. Serão citadas a seguir duas reações opostas a universalidade da fala modificada.
A primeira tem visto a universalidade de modulações de voz chamada entonação “afetiva” (negação, conforto, privação, atenção) como manifestações de comportamentos pré-adaptativos da criança, numa visão declaradamente neodarwinista. Devido a processos de seleção natural a criança vem pré-programada para reagir às curvas entonacionais próprias de situações de conforto, desconforto, privação etc., propiciando a saliência prosódica de constituintes gramaticais que seriam, assim, desencadeados (Fernald, 1993). Porém a proposta neodarwinista tem sido questionada Cavalcante (1999), contesta-se a universalidade de marcas vocais interacionais e chega à conclusão de que nem as situações de “afetividade” são sempre assim tão marcadas como a que Fernald encontrou em seus sujeitos interagindo com os respectivos adultos.
A segunda reação desafia a visão universalista do tipo de interação adulto-bebê e explora diferenças culturais de interação e de transmissão cultural, pois em algumas comunidades como, por exemplo, do povo de Papua-Nova Guiné a interação verbal entre crianças e adultos é mínima, a criança não tem o papel de destinatário até que consiga pronunciar palavras reconhecíveis pela língua. Os adultos não atribuem intenção as vocalizações do bebê.
Bruner (1975) nos fornece um exemplo sobre como a aquisição do sistema de transitividade pode decorrer da construção e internalização de estruturas lingüísticas a partir da interação do bebê com o outro e com o mundo físico.
A partir dos 6 meses de idade, a criança e o adulto engajam-se em jogos (empilhar blocos, esconder o rosto atrás de um obstáculo e depois mostrar a face etc.) que patenteiam instâncias de atenção partilhada e ação conjunta. Assim, pode-se traçar uma trajetória entre a ação conjunta adulto-bebê e o estabelecimento de papéis no discurso e no diálogo (pessoas gramaticais) mais ou menos da seguinte maneira: nos jogos referidos, o adulto instaura a brincadeira enquanto a criança observa (esconder o rosto, por exemplo), posteriormente a criança vai reverter os papéis: tomar a iniciativa de começar o jogo ou a etapa do jogo, isto é, tomar o papel “falante”, enquanto o adulto será o espectador, o “interlocutor”. Esses esquemas gestuais, de início, serão lingüísticos quando a criança tiver meios expressivos para exprimir as funções. Nos jogos descritos, a criança aprende uma espécie de embrião, na ação e interação, em fases pré-verbais, do que mais tarde emergirá como marcação linguística.
A atenção partilhada desenvolverá conceitos, o adulto, numa fase pré-verbal, focaliza um ponto de atenção qualquer, espera que a criança acompanhe seu foco de atenção e comenta sobre ele. Isto é, a criança participa de esquemas em que se focaliza ou topicaliza para depois se comentar ou predicar. O que é gesto ou balbucio da criança numa situação de troca comunicativa será verbal em etapas posteriores, por meio, neste caso, de flexão verbal de tempo e uso de partículas temporais ou aspectuais.
Uma das vertentes do interacionismo social é o sociointeracionismo que afirma que a linguagem é atividade constitutiva do conhecimento do mundo pela criança. A linguagem é o espaço em que a criança se constrói com sujeito; o conhecimento do mundo e do outro é, na linguagem, segmentado e incorporado. Linguagem e conhecimento do mundo estão intimamente relacionados e os dois passam pela mediação do outro, do interlocutor. Esta interação vai proporcionar, ao mesmo tempo, a criação da criança e do próprio interlocutor como sujeitos do diálogo, a segmentação da ação e dos objetos do mundo físico sobre os quais a criança vai operar, e a própria construção da linguagem, que por si é um objeto sobre o qual a criança também vai operar. Esta proposta não se centraliza sobre o produto lingüístico, mas no processo comum aos dois interlocutores. Segundo Lemos (1982) o objeto de estudo que se toma é a linguagem enquanto atividade do sujeito.
Dando continuidade às suas indagações sobre como, através da interação com o adulto, a criança chegaria a língua, Lemos (1992, 1995, 1998, 1999) estuda as relações do sujeito com a língua e questiona as noções de desenvolvimento e conhecimento lingüístico que têm sido a base das teorias psicolingüísticas, psicológicas e lingüísticas. Posiciona-se contra a noção de conhecimento própria do “sujeito psicológico”, que está presente nas noções de desenvolvimento, e de sujeito onisciente, e contra a noção de representação mental, que é a fonte e o alvo da aquisição de conhecimento lingüístico, recusando-se a ver a aquisição da linguagem como a aquisição ou construção de conhecimento da língua, concepção consagrada pela expressão “desenvolvimento lingüístico”. Em vez de “construção” e “desenvolvimento”, entende que a criança é colocada numa estrutura em que comparece o outro, como instância representativa da língua, a própria língua em seu funcionamento e a criança como sujeito falante. O que identifica as mudanças no processo de aquisição são as diferentes posições da criança nesta estrutura, ou melhor, as diferentes relações do sujeito com a língua, em que o pólo dominante da estrutura pode ser o outro, a língua ou o próprio sujeito.
Agora vamos examinar a questão do período crítico de aquisição da língua materna e de segunda língua: todos sabemos como é difícil dominar uma segunda língua em idade adulta, ainda mais em situação formal, escolar. Sempre ficam na fala do aprendiz, certas construções gramaticais mal-ajambradas, erros fossilizados ou mais certamente, um sotaque “estranho” aos ouvidos dos falantes nativos.
Lenneberg (1967) buscou bases biológicas para argumentar que depois da puberdade, a capacidade de auto-organização e ajuste às demandas psicológicas do comportamento verbal declinam rapidamente.
Pinker (1994) afirma que o período crítico se explica por mudanças maturacionais no cérebro, tais como o declínio das taxas de metabolismo e do número de neurônios durante a idade escolar e da diminuição do metabolismo e do número de sinapses cerebrais na adolescência.
No entanto, essas explicações não tem sido convincentes para o fenômeno do “período crítico” de aquisição. Aitchinson (1989) aponta para a insuficiência explicativa dos argumentos citando:
a) casos de estudo de indivíduos que foram isolados de qualquer convívio social ou troca lingüística e adquiriram a linguagem tardiamente como, por exemplo, os casos de Isabelle, Genie e Chelsea. Isabelle que após 6 anos e meio vivendo enclausurada, num quarto com uma mulher surda e cérebro-lesada, no interior de Ohio foi resgatada para o convívio social e em dois anos e meio sua linguagem mal se distinguia das crianças da mesma idade que tiveram condições normais de desenvolvimento. Genie que foi descoberta com quase 14 anos, vivia em condições sub-humanas, era agredida fisicamente pelo pai quando emitia qualquer som, não falava nada, depois de resgatada aprendeu a falar de modo rudimentar, progredia mais lentamente do que uma criança normal. Depois de anos de aprendizado conseguia dizer “Applesaure buy store” (Molho de maçã comprar loja). Chelsea, deficiente auditiva, que fora diagnosticada como mentalmente retardada, aos 31 anos de idade foi encaminhada para um neurologista que providenciou um aparelho de audição. Chelsea começou a aprender sua língua materna, sob tratamento intensivo com uma equipe especializada, porém, sua linguagem ficou “agramatical” conseguia dizer “Banana the eat” (Banana a come). Aitchinson ressalta que tais casos devem ser tomados com cautela quanto a representarem evidência cabal em prol da existência de um período crítico de aquisição da linguagem. É possível que a extrema privação física, comunicativa e emocional de Genie tenha propiciado um certo retardo mental: seu hemisfério esquerdo é levemente atrofiado. Genie e Chelsea têm, portanto, problemas não-linguísticos que podem explicar, pelo menos parcialmente, sua linguagem rudimentar.
b) o desenvolvimento da fala de crianças com síndrome de Down, porque há grandes diferenças individuais no desenvolvimento lingüístico de portadores da síndrome de Down (Camargo & Scarpa, 1996), de tal maneira que há desde crianças que param num estágio estável de aquisição bem antes da puberdade até jovens que continuam seu processo de aprendizagem.
c) a suposta sincronia do período crítico com a lateralização hemisférica, pois pesquisas neurolinguísticas mais recentes mostram, de um lado, que a lateralização começa na criança já a partir de alguns meses de vida, não havendo assim evidências, em relação a este fenômeno, de um súbito começo do período crítico por volta dos dois anos, também não há evidências cabais de um súbito cessamento deste mesmo fenômeno depois da adolescência. Por outro lado, há cada vez mais evidências que contestam a especialização hemisférica compartimentada da linguagem.
d) dificuldades de aquisição de segunda língua depois da adolescência, visto que, de acordo com interpretações inatistas o que pode explicar essa dificuldade seria a falta de acesso à Gramática Universal por parte do aprendiz, pois a disponibilidade à Gramática Universal não é tão óbvia em casos de aquisição de segunda língua.

Conclusão

De acordo com as teorias apresentadas sobre a aquisição e desenvolvimento da linguagem o grupo assume que a abordagem mais coerente é o Cognitivismo Construtivista, pois a aquisição depende do desenvolvimento da inteligência na criança, é o resultado da interação entre o ambiente e o organismo.
A criança não é uma “tabula rasa” que pode ser moldada e que só desenvolverá seus conhecimentos linguísticos por meio de estímulo – resposta, imitação e reforço pelo contrário, ela possui a inteligência prática, ou seja, por meio de suas ações e percepções ela constrói um conhecimento de mundo pré-verbal. Para a criança passar a utilizar as representações da comunidade que está inserida, é necessário que ela perceba a diferenciação entre meios e fins, que os objetos existem mesmo estando fora de seu campo visual e que o universo tem uma objetividade própria que independe de suas ações e desejos desenvolvendo assim, a inteligência pré-operatória. Através de assimilações (incorporação de um novo objeto ou idéia ao que já é conhecido) e acomodações (transformação que o organismo sofre para poder lidar com o ambiente) a criança vai se adaptando e construindo a organização mental da nova realidade. Com a linguagem há uma socialização das inteligências porque a linguagem permite a comunicação.
Podemos observar que Piaget não se aprofundou na questão da importância do social no desenvolvimento da criança, mas Piaget diz textualmente que as construções internas são desencadeadas por demandas do meio, com objetos do meio, ou seja, se não houver interação social, se não houver comunicação não há desenvolvimento cognitivo. Desse modo a visão inatista que explica que o desencadeamento da Gramática Universal não depende de outros módulos cognitivos, muito menos de interação social torna-se menos consistente.
Vigotsky que se aprofunda na importância do social nos explica que a partir da internalização e representação mental do meio, intermediada pelo outro se dá o desenvolvimento da linguagem, ou seja, pensamento e linguagem estão vinculados.
As propostas de Vigotsky complementam a abordagem do cognitivismo construtivista de Piaget, o interacionismo social e o sociointeracionismo são extensão do pensamento de Vigotsky.
Os argumentos sólidos do interacionismo e do sociointeracionismo como, por exemplo, o fato de atribuirmos significados e intenção as emissões vocais, gestos do bebê instituindo-o como parceiro conversacional que acabam por prepará-lo para a aquisição da linguagem; como a fala que a criança está exposta é um importante fator de aprendizagem e as modificações que a fala adulta sofre quando dirigida a ela; que a construção e internalização de estruturas lingüísticas se dão através da interação do bebê com o outro e o mundo físico; que a linguagem é atividade constitutiva do conhecimento do mundo pela criança e como linguagem e conhecimento de mundo estão intimamente relacionados e os dois passam pela mediação do outro, nos convence por sua veracidade que podemos constatar no convívio com uma criança.
Concluímos então que não existe hegemonia de nenhuma visão exposta, mas uma difusão de idéias e que as abordagens do cognitivismo construtivista, interacionismo social e sociointeracionismo são as que entendemos como sendo mais consistentes.

Bibliografia
- SCARPA, E. M.. Aquisição da Linguagem. In: Mussalim, F e Bentes, A. C. Introdução à Linguística. São Paulo: Cortez, 2001.





Um comentário:

  1. Eu adorei o seu texto, principalmente porque tem a ver com o último post do meu blog, eu estava estudando Linguistica. Eu acho muito interessante a divulgaçao desses assuntos na Internet, porque facilita pesquisas e também porque faz com que as pessoas prestem mais atenção nos processos de aquisição da linguagem das crianças. E é muito importante que elas saibam que ao mesmo tempo em que uma pessoa aprende sua língua, ela aprende também os valores, o comportamento, a ideologia do seu grupo social em que está inserida.

    Parabéns pelo blog!

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